Posição brasileira sobre governança da Internet em 14 pontos (2005)

[Nota: este texto foi escrito para colaborar no processo preparatório da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI/WSIS) relativo à criação de um Fórum de Governança da Internet da ONU. A 2ª edição da Cúpula foi realizada em Túnis, em novembro de 2005. O documento em PDF em português e no original em inglês está abaixo.]

Carlos A. Afonso -- 05-setembro-2005 

Embora os detalhes da posição brasileira sobre a governança da Internet ainda estejam sendo discutidos, há um consenso em torno de uma proposta de 14 pontos a respeito de um Fórum Global. Cada um deles é apresentado a seguir. 

1. O Fórum deve ser um espaço global para coordenação e discussão de todas as questões de governança, bem como para apoiar o desenvolvimento de políticas globais para a Internet. 
O Fórum aqui é visto como um formulador de políticas operando, dependendo do assunto, em papéis consultivos, de autoridade, de coordenação, de supervisão e/ou de arbitragem. Obtém informações de agências e organizações técnicas, reguladoras e consultivas já existentes e é considerada por essas entidades como autoridade em assuntos relacionados à Internet pertencentes a seus campos de atividade. Este ponto mostra que há muito trabalho a ser feito no estabelecimento de funções precisas e mecanismos específicos (incluindo a delegação de funções a organizações existentes ou a serem criadas) em diferentes níveis e instâncias de supervisão, regulação, arbitragem e assim por diante.

2. O Fórum deve coordenar um amplo espectro de temas de governança. 
Este ponto é destacado para enfatizar a importância de um mecanismo global em resposta à inexistência de uma instância de governança que consolide todas as questões relacionadas à Internet.

3. O Fórum deve ser pluralista (multistakeholder). 
A visão brasileira aqui é semelhante à adotada por seu órgão de governança nacional. A forma como prevê a participação dos governos nacionais é descrita no tópico a seguir.

4. O Fórum deve incluir um mecanismo intergovernamental por meio do qual os governos exerçam suas responsabilidades em relação aos aspectos da política pública relacionados à Internet. 
Este é um dos temas mais relevantes da proposta brasileira e, dependendo da forma como é apresentado, gera algumas controvérsias – principalmente da parte que quer estender o modelo da ICANN a todos os aspectos da governança global. O Brasil claramente quer um fórum com plena participação de todos os setores na construção de recomendações e definições de políticas e acordos internacionais. No entanto, as recomendações ou regulamentações que os governos entendam como tendo implicações em políticas públicas nacionais devem ser consideradas pela instância intergovernamental do Fórum antes de qualquer aprovação, seguindo um procedimento claramente estabelecido. Ao contrário de certas declarações ou interpretações, não há menção à UIT ou a qualquer outro órgão existente como substituto da ICANN na governança da infraestrutura lógica.

De relevância prática é o fato de que o Brasil não vê a instância intergovernamental do Fórum discutindo e deliberando sobre todas as questões como um órgão separado. Prevê, antes, a participação de representantes da instância intergovernamental nos processos gerais do Fórum, que remeterá a essa instância apenas as questões de política nacional.

5. O Fórum, e qualquer instância de governança global, não deve estar sob a jurisdição de nenhum país específico. 
Esta é a expressão do parágrafo 48 do Relatório do Grupo de Trabalho sobre Governança da Internet (WGIG), que afirma:

“O WGIG reconheceu que qualquer forma organizacional para a função de governança/supervisão deve aderir aos seguintes princípios: 

• Nenhum governo deve ter um papel preeminente em relação à governança internacional da Internet. 
• A forma organizacional da função de governança será multilateral, transparente e democrática, com total envolvimento dos governos, setor privado, sociedade civil e organizações internacionais. 
• A forma organizacional para a função de governança envolverá todas as partes interessadas e organizações intergovernamentais e internacionais relevantes em suas respectivas funções.” 

Além disso, o Brasil vê o Fórum Global como um organismo internacional formalmente reconhecido pelas Nações Unidas, e legitimado por um tratado internacional específico.
 
6. O Fórum deve trabalhar para o interesse público global. 
Isso levanta, em particular, questões de arbitragem (como prevenir ou contornar impasses resultantes de conflitos de interesse nacionais que podem bloquear processos) e questões de participação equilibrada (como garantir que países desenvolvidos e em desenvolvimento, interesses privados e públicos, interesses comerciais e não comerciais sejam igualmente representado).

7. O Fórum deve obedecer aos critérios de transparência, democracia e multilateralismo. 
Esses são aspectos já expressos nas resoluções da CMSI em Genebra. 

8. Cada um dos representantes dos quatro grupos de interesse (governos, associações empresariais, organizações sem fins lucrativos sem fins lucrativos e associações acadêmicas/técnicas) deve estabelecer regras claras de prestação de contas em relação aos seus constituintes. 
O Brasil destaca duas questões específicas a esse respeito: como selecionar e assegurar a responsabilização global dos representantes não-governamentais; como garantir a participação qualificada dos setores não-governamentais dos países em desenvolvimento. 

9. Em relação às organizações globais existentes que lidam com questões específicas relacionadas à Internet, a função do Fórum deve ser a de coordenar essas organizações em vez de substituí-las. 
O novo Fórum Global deve atuar em coordenação com as entidades existentes. Quando forem identificadas questões que não pertencem ao escopo de nenhuma organização existente, fica a critério do Fórum a criação de uma nova entidade ou grupo de trabalho, ou ainda a ampliação de uma das organizações existentes.

10. O Fórum deve funcionar com eficácia e praticidade para garantir agilidade nos processos decisórios, acompanhando a dinâmica de expansão e evolução da Internet. 
O Brasil sugere mecanismos de representação em que o Fórum Global seja constituído por um número relativamente pequeno de representantes expressando legitimamente os interesses de todos os setores. Isso requer procedimentos e mecanismos globais adequados para garantir processos eleitorais e de seleção transparentes e democráticos em âmbito nacional e regional.

11. O Fórum deve ser flexível e adaptável para ajustar sua agenda e processos à rápida evolução da Internet. 
Isso enfatiza novas questões decorrentes da implantação de tecnologias avançadas, as consequências da rápida convergência de diferentes mídias e sistemas de comunicação para a Internet e assim por diante.

12. O Fórum deve ser capaz de atuar como uma câmara de compensação eficiente, coletando as necessidades dos diversos grupos de interesse e despachando-as (ou as resoluções resultantes) para as organizações relevantes. 
O Brasil enfatiza que, a esse respeito, o Fórum deve contar fortemente com as mais recentes tecnologias de gestão do conhecimento baseadas na Internet, agilizando a transparência, os procedimentos democráticos e as funções de câmara de compensação, bem como contando com reuniões abertas on-line e presenciais, tanto quanto possível .

13. O Fórum deve ter autoridade em sua capacidade de resolver conflitos e coordenar o trabalho de diferentes organizações. 
O Brasil vê essa capacidade autoritária definida por um ou mais tratados ou convenções internacionais, bem como contratos específicos e memorandos de entendimento.

14. O Fórum deve ser autossustentável. 
O Fórum deve ser apoiado por uma infraestrutura técnica/administrativa eficiente e leve. As reuniões devem, tanto quanto possível, ser online utilizando os melhores recursos multimédia da Internet. Muitas atividades seriam realizadas por meio de grupos de trabalho especializados, geralmente constituídos por voluntários remunerados por despesas de viagens e perdiam quando necessário. Esses métodos devem ajudar a reduzir o orçamento operacional.

O financiamento para o Fórum Global deve vir de todos os setores participantes de acordo com suas capacidades. Tetos para contribuições específicas devem ser estabelecidos a fim de evitar barreiras de entrada e posições hegemônicas. A ICANN é o anti-exemplo desta proposta, pois sua receita vem basicamente dos principais registros de gTLDs. 
 

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