Cuba e a Internet - o início (1998)

Carlos A. Afonso -- outubro, 1998 

Em maio de 1990, um pequeno grupo de organizações civis de vários países formou a Associação para o Progresso das Comunicações (APC), com o objetivo de contribuir para o acesso universal às novas tecnologias de comunicação e informação (as TCIs). Entre essas entidades estava o Ibase, pioneiro no Brasil na operação de sistemas de comunicação via computador para a sociedade civil. 

Hoje queremos contar apenas um capítulo importante das histórias da APC - você pode saber mais navegando no site da entidade (ver os endereços no final deste texto). É o capítulo cubano, que é também parte da história da Internet brasileira. 

A APC sempre considerou como parte integrante de sua missão buscar meios de atravessar as barreiras políticas de comunicação entre os povos - particularmente na era da Internet. Cuba foi o primeiro exemplo de sucesso do esforço internacional da APC em disponibilizar alternativas para o acesso às TCIs superando o bloqueio imposto pelos EUA desde a derrubada da ditadura de Batista. 

Ainda em 1990, técnicos do Institute for Global Communications (IGC, EUA), do NIRV Centre/Web (Canadá) e do GreenNet (Inglaterra), todos membros fundadores da APC, procuravam equipamentos que poderiam ser levados para Cuba e que permitiriam o estabelecimento de comunicações com a nascente rede da APC (e também com a Internet) através de chamadas telefônicas internacionais. 

Devido à pesada legislação do bloqueio, este trabalho teve que ser feito em sigilo, e as chamadas telefônicas não poderiam ser feitas diretamente aos EUA. Foi assim que no dia 1 de maio de 1991 o projeto AlterNex do Ibase inaugurou um serviço experimental de acesso direto a Cuba via DDI, utilizando modems estado-da-arte da época (os incríveis Telebits Trailblazers). O serviço permitia o envio e recebimento de correio eletrônico e listas de discussão utilizando o protocolo UUCP (UNIX-to-UNIX Copy Program), com uma conexão diária entre o Rio e Havana. 

Pela primeira vez, uma instituição cubana - o Instituto de Documentação e Informação em Ciência e Tecnologia, IDICT, através do seu Centro para o Intercâmbio Automático de Informação (CENIAI), podia trocar mensagens com colegas em várias partes do mundo, via APC e via Internet. O CENIAI na verdade já experimentava com redes X.25 desde 1985, mas de modo precário e com tráfego internacional limitado à Europa Oriental através da então União Soviética. 

O experimento mostrou a viabilidade do uso de chamadas telefônicas internacionais para a troca regular de correio eletrônico (tecnologia que o próprio AlterNex utilizava desde sua inauguração oficial em 18 de julho de 1989 para o tráfego de informações com as redes nos EUA). Através da conexão do IDICT/CENIAI, dezenas de outras entidades cubanas passaram a trocar mensagens com o resto do mundo. 

A velocidade de transmissão de textos chegava a surpreendentes 600 caracteres por segundo entre o Rio e San Francisco, e cerca de 400 caracteres por segundo entre Rio e Havana - um desempenho excepcional especialmente se lembrarmos que até pelo menos 1995 muitos dos estados brasileiros estavam conectados à Internet a 960 caracteres por segundo. No entanto, o custo elevado das chamadas internacionais tanto do Brasil como de Havana impediram que essa conexão continuasse. 

A APC buscou então outras alternativas, via Londres e Toronto, e a partir de 1992 estabeleceu-se um serviço regular UUCP entre o Web de Toronto e o IDICT em Havana, com a discagem sendo iniciada no Canadá - o que reduziu em 80% o custo das sessões UUCP. Através dessa gateway, estabelecia-se também o tráfego regular de mensagens entre Cuba e a Internet. Em março de 1992, em um ato de coragem, o IGC da Califórnia anunciou oficialmente o serviço regular de troca de mensagens com a Red David, da União de Jovens Cubanos, ligada à Academia Cubana de Ciências. 

A conexão UUCP Toronto-Havana, operada pelo sistema Web e subsidiada por este, permaneceu em funcionamento regular até que Cuba finalmente logrou estabelecer conexão direta estável com a Internet a partir de 1997. O último serviço direto da APC com Cuba deixou de operar no início de 1997, e o serviço DNS para Cuba feito pelo Web foi repassado no final de fevereiro de 1997 ao CubaNIC, operado pelo CENIAI. 

Agora, Cuba tem uma ligação direta com ... os Estados Unidos, através da espinha dorsal da Global One. Graças à APC e à determinação dos técnicos cubanos, no entanto, já estava preparada há bastante tempo para isso. 

A APC tem o mérito de ter contribuido para permitir que Cuba estivesse em dia com a tecnologia de redes, mesmo com o bloqueio. E uma ONG brasileira - o Ibase - participou como pioneira nesse processo. 

Para mais informações sobre as entidades mencionadas*: 

Associação para o Progresso das Comunicações (APC): https://www.apc.org/ 
Centro de Informações de Rede de Cuba: http://www.nic.cu/ 
CENIAI/CITMATEL: http://www.citmatel.cu/ 
Institute for Global Communications (IGC): http://igc.org/ 
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase): https://ibase.br/ 
Web Networks: https://web.net/ 

(*) Endereços atualizados em dezembro de 2022.