11-10-2002
Estamos em processo de globalização. Globaliza-se a produção industrial, as transações financeiras e os instrumentos de trabalho e lazer, do celular ao computador. Globalizam-se as relações humanas dos que podem ter acesso à Internet e viajar ao exterior. Enquanto isso, perpetuam-se e ampliam-se as desigualdades. O Brasil exporta aviões e não é capaz de dar saneamento digno a seus cidadãos. A globalização globaliza os custos, já que com ela importam-se as tecnologias, métodos e processos para produzir a maioria dos bens e serviços privados e públicos. Hoje custa quase o mesmo manter um grande hospital em São Paulo ou em Los Angeles, ou produzir água potável no Rio ou em Paris.
A globalização, no entanto, não democratiza os benefícios. Continuamos sem saneamento adequado, nossa saúde e educação públicas estão em frangalhos, há desemprego elevado e paga-se salários miseráveis para a maioria da população. Enquanto isso, a globalização amplia cada vez mais a canasta de necessidades básicas. Agora, além da TV e do telefone, é preciso também ter um computador conectado à Internet. Mas a maioria imensa das famílias brasileiras não pode pagar nem por um computador nem pelo custo do acesso à Internet.
A chamada “sociedade da informação” é um espaço social, cultural, econômico e político de igualdade de oportunidades de acesso aos recursos de informação, bem como de inclusão digital generalizada — ou seja, onde todos terão acesso às redes de informacão e saberão como lidar com seus instrumentos. Se não for assim, as tentativas de levar serviços governamentais e informações públicas aos cidadãos via Internet (componente do chamado “e-governo”) beneficiarão apenas quem já tem acesso à Internet no Brasil, isso é menos de 10% da população em menos de 10% das cidades. Por outro lado, a modernização dos serviços públicos e privados utilizando a Internet como instrumento básico é inevitável — uma das conseqüências da globalização.
Fica assim claro que os que não têm acesso à Internet estarão cada vez mais distanciados dos benefícios dessa modernização, e que a efetiva democratização do acesso só será alcançada por uma política pública que possibilite igualdade de acesso efetivo às informações e serviços oferecidos via Internet.
Não há como esperar que a “iniciativa privada” ofereça soluções abrangentes e de baixo custo. E as entidades civis sozinhas não têm recursos técnicos ou financeiros para assumir em escala significativa essa responsabilidade —apesar da grande pressão exercida por algumas agências internacionais de desenvolvimento para que as entidades civis embarquem na montagem e manutenção de “telecentros auto-sustentáveis”. Sem apoio concreto de uma polílica pública, a maioria desses telecentros acaba fracassando por falta de recursos.
Resta, portanto, ao Estado a responsabilidade de liderar o processo de universalização de acesso — oferecendo às comunidades de menos recursos os meios necessários para isso. No entanto, não se pode reproduzir o modelo dos países desenvolvidos — um computador e conexão Internet para cada residência ou indivíduo. O Estado não tem recursos e nem pode ampliar sua capacidade de arrecadar impostos para seguir esse modelo. As soluções têm que ser muito mais criativas e tomando em conta os escassos recursos disponíveis.
É por essas razões que alguns governos, como o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e a Prefeitura de Porto Alegre, estão adotando uma estratégia avançada de instalação de meios coletivos de universalização de acesso à Internet. Em áreas de baixa renda estão sendo montados telecentros geridos em parceria com a comunidade onde investe-se na preparação de instrutores, produção de material didático para o treinamento de usuários e oferta de serviços básicos como correio eletrônico e acesso a sites Web.
São espaços onde vários computadores podem ser utilizados por milhares de cidadãos de cada comunidade, tanto para ter acesso à rede e utilizar serviços públicos e privados, como para ter sua identidade na Internet (um endereço de e-mail) e até mesmo preparar e imprimir documentos. São locais que permitem a capacitação no uso básico das ferramentas de um computador e no uso efetivo dos serviços Internet. São verdadeiros centros comunitários de serviços e aprendizado.
A chave do sucesso de projetos como esse é a combinação inteligente do apoio do Estado para garantir a infraestrutura mínima necessária e a participação da comunidade na gestão de cada uma dessas iniciativas, garantindo espaço para a criatividade em que muitas iniciativas inovadoras de inclusão digital terão espaço para florescer.
Carlos A. Afonso é diretor de desenvolvimento e tecnologias, Rede de Informações para o Terceiro Setor, Rits.