Entrevista a Thiago Esperandio, do Coletivo Digital (7-junho-2010), sobre a Internet no Brasil e o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) lançado pelo governo federal.
Como o Sr. avalia a implementação da Internet no Brasil e seu avanço até os dias de hoje?
Dá para escrever um livro aqui (aliás, acho que sou um dos que estão devendo um livro sobre isso). A Internet no Brasil teve quase tudo para dar muito certo em seu início (começo da década de 90). Pouco antes disso havia um desenvolvimento paralelo (e único entre os países da região), não necessariamente da Internet, mas dos ideais de rede que a Internet veio concretizar, por parte da comunidade científica e de organizações civis interessadas nisso. Esses caminhos paralelos juntaram-se no final de 1990, quando surgiu a ideia no Ibase de criar sistemas conectados via Internet para a Eco 92 (primeira conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento da ONU, em junho de 1992 no Rio de Janeiro).
Essa foi a primeira conferência da ONU a abrir um grande espaço para a participação das organizações civis, e conseguimos, com o apoio da nascente APC (Associação para o Progresso das Comunicações) e da própria ONU, não só concretizar a ideia mas realizá-la em todos os espaços da conferência sob a coordenação da equipe do Alternex, do Ibase. Isso permitiu que finalmente a Embratel liberasse duas conexões permanentes com a Internet nos EUA (uma em São Paulo e outra no Rio), o que foi o verdadeiro início da Internet no país como a conhecemos hoje. Essa parceria pluralista continuou, e por pressão de entidades civis e da comunidade científica, contando com o apoio de membros do governo federal na época, logrou-se a criação do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e a formalização da proposta que a transmissão de dados não estaria sob o tacão regulatório das telecomunicações. Tudo isso criou um ambiente colaborativo único. Faltava um outro componente crucial: como fazer com que a infraestrutura chegasse a todas as cidades e a todos os domicílios para que se universalizasse o acesso à rede? Esse foi e tem sido, mesmo com a privatização das telecomunicações (e talvez até agravado por esta), o grande desafio que enfrentamos até hoje para universalizar o acesso no país.
É consenso no Brasil que a Internet atualmente é lenta e cara. A que o Sr. atribui isso?
O acesso à Internet é caro e lento. Isso já foi amplamente discutido e analisado, e acabou levando à proposta do governo federal, de um "plano nacional de banda larga", o PNBL. Basicamente, o acesso de melhor velocidade hoje é feito através das linhas de telefonia fixa (e, para muito poucos municípios, via a rede de TV a cabo). Isso está em mãos de monopólios regionais privados (uma "brilhante" criação do governo anterior, no que o jornalista Helio Gaspari chama apropriadamente de "privataria"). Como a provisão de serviços de comunicação de dados não é regulada (ou não é um serviço prestado em regime público), e sequer está sob alguma lei, norma ou portaria que exija qualidade de serviço e universalização, os monopólios regionais atuam com uma diretriz única -- operar o serviço onde dá mais lucro. Como resultado, temos banda pseudolarga alcançando 6,12% da população (dados mais recentes da TELECO) em uma pequena minoria de municípios, a preços várias vezes mais altos que os preços típicos praticados em economias de escala comparável à nossa. Como são várias vezes mais altos, isso não será resolvido por uma simples redução de impostos (que provavelmente só ampliará o lucro do oligopólio de operadoras, e o serviço continuará caro e de baixa qualidade para o usuário final).
Quais fatores compõem o custo para uma empresa que queira fornecer Internet?
Isso não é fácil de estimar, porque depende de escala de operação, número de clientes, facilidades de trânsito Internet disponíveis etc. Mas para um pequeno provedor local, o negócio hoje torna-se quase inviável por um componente do custo -- a conexão de trânsito entre o provedor e a Internet. Esta é fornecida em geral por um dos monopólios regionais (ou por uma das espinhas dorsais nacionais, como a Embratel ou a Intelig) a preços tão absurdos que o pequeno empreendedor não consegue entregar um serviço de acesso na ponta a preços competitivos ou a valores que a média dos domicílios possa pagar. O empreendedor local é esmagado pelas operadoras de telecomunicações e TV a cabo, que cobram preços arbitrariamente muito altos.
Em sua visão geral, O PNBL anunciado pelo Governo Federal recentemente tem mais aspectos positivos ou negativos? Por que?
Creio que o único aspecto negativo relevante é ter demorado tanto para ser finalmente sacramentado na prática. O PNBL não é algo exclusivo do Brasil -- governos com posições políticas muito diversas têm proposto e iniciado planos similares, como a Austrália, países da União Européia, África do Sul e muitos outros. Em vários casos, como no da Austrália, envolve uma participação pesada do governo na criação de uma estrutura institucional e de rede física que seja uma alternativa aos cartéis comerciais. Ou seja, há um consenso internacional que, deixada apenas ao "mercado", a universalização do acesso não ocorrerá.
A proposta é muito boa, e ao contrário de várias iniciativas em outros países, já nasce com um potencial de serviços muito promissor -- a rede de fibra óptica em mãos do Estado que pode a curto prazo já contribuir para a autossuficiência do empreendimento e a universalização nas maioria dos municípios. É boa também porque contempla uma parceria forte com empreendedores locais, que poderão contar com um contrato de trânsito Internet com serviço de qualidade a preços razoáveis para viabilizar o negócio.
Quais possibilidades de expansão o Sr. vislumbra para o PNBL nos próximos anos?
As possibilidades estão bem detalhadas no próprio plano. Se for realizado tal como proposto, o impacto deverá ser muito grande, tanto no âmbito da rede operada pela Telebras, como no plano de negócios do das operadoras privadas de telecomunicações -- isso deverá contribuir para uma significativa redução de preços, e esperamos que também resulte em uma melhora relevante na qualidade dos serviços.
Quais os próximos desafios para o PNBL, em sua visão, e por quais trilhas a sociedade deve buscá-los?
Há muitos desafios, mas eu gostaria de ressaltar um deles. O PNBL tem como elemento fundamental para seu sucesso os resultados efetivos na ponta (nas pequenas e médias cidades principalmente, ignoradas pelo oligopólio privado). Aqui a participação de empreendedores locais (não só comerciais, mas redes comunitárias, iniciativas de municípios digitais etc) é crucial para a universalização. Aqui entra, portanto, a participação da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais -- que também têm que estar atentos, acompanhando criticamente, a execução do PNBL em geral, às iniciativas de regulação (que não prejudiquem as iniciativas locais), às investidas das operadoras privadas contra o PNBL.